Já falamos aqui sobre o crescimento do número de webtoons e ascensão do mercado de quadrinhos digitais, que explica bem como essa mídia está recebendo investimentos ao redor do mundo e até chegou a estar na CCXP de 2019. No entanto, apesar dessa popularidade as webtoons girls love (GL) ainda estão nascendo e engatinhando como gênero.
Se faz necessário então explicar um pouco mais sobre esse universo, que, ao contrário de outros gêneros, ainda possui pouco espaço e um público consumidor menor. As webtoons como um todo tiveram uma publicidade e popularidade maior devido aos assuntos mais realistas que esses quadrinhos tentam trazer.
Mas esse não é o único fator. Ao contrário dos mangás japoneses, que carregam a cultura do país nipônico em praticamente qualquer tema, as webtoons são bem mais universais. Primeiro seu nascimento e crescimento ocorreram em países como Coreia do Sul e China, mas hoje já existem autores de todas as etnias e naturalidades possíveis.
Assim, as temáticas são misturadas e trazem bem mais sobre o mundo e outras culturas do que os mangás japoneses. Isso é refletido, principalmente, em webcomics da plataforma WEBTOON, Tapas e Webcomics, que trabalham com artistas do mundo inteiro.
As webtoons sul-coreanas
É fundamental falar da Coreia do Sul pois o país é um mercado exportador de muitas histórias. A China, um país com uma produção grande de webcomics, fica atrás pois ainda o acesso às obras é bem mais restrito (mas a história mais conhecida GL é Tamen de Gushi e vale super a pena). Entre todos os países, a Coreia é a que mais produz e a que mais exporta para o Ocidente, o que traz mais visibilidade para a mídia.
Antes de mais nada é preciso entender que as webcomics sul-coreanas são completamente diferentes dos mangás japoneses. As histórias costumam ter protagonistas mais velhos, e os sentimentos, ações e decisões também são mais amadurecidos, digamos assim.
Diferença de tom nas histórias
A diferença entre as webcomics sul-coreanas e os mangás japoneses fica ainda mais nítida em histórias de romance. No Japão, os romances escolares e na adolescência são muito mais comuns que nas webtoons coreanas, que tratam do romance na faculdade, ambiente de trabalho e com outra perspectiva.
Essa nova forma de retratar o romance ocorre através do toque, carinho e contato físico, coisa que no Japão é um pouco mais restrito nas cadeias mais populares (não que não exista, porque existe). Nesse formato de apresentar o amor é bem mais próximo do Ocidente também, e facilita a identificação do público.
Mesmo quando há cenas mais explícitas de sexo, as webcomics costumam ser menos abusivas. O que quer dizer isso? No Japão, as histórias R18 (com cenas picantes e putaria, resumindo) costumam ter toques de violência e abuso, ainda mais quando são com mulheres. Por anos tivemos histórias boys love e girls love também retratando relacionamentos abusivos com certa naturalidade.
Ainda que esse tipo de conteúdo não seja mais tão vigente no Japão, que está cada vez mais produzindo mangás que falam abertamente sobre relacionamentos, carinho, companheirismo, depressão e abuso (Given é um ótimo exemplo), na Coreia esse tipo de história nunca teve tantos espaços. Há histórias com muita pornografia, mas uma sensibilidade bem maior para tratar o tema – Sadistic Beauty é talvez o melhor exemplo disso.
A diferença é: abuso e violência sexual é um problema, então vamos retratar como SENDO um problema, não como sendo natural. Os personagens nas webtoons se culpam, se questionam, são julgados, entre outras questões. Não é como se fosse tudo okay e o protagonista ainda se apaixonasse pelo abusador.
E essa forma de ver o mundo não é exclusivo de romances heterossexuais. As obras girls love carregam muito desse tipo de mentalidade. A violência e o abuso raramente são normalizados, na verdade, muito pelo contrário, por vezes o tema é usado para discutir e questionar o assunto, conscientizando qualquer pessoa.
As webtoons girls love
Se faz necessário separar as webtoons girls love do yuri japonês porque são mídias diferentes. Ainda que ambos sejam quadrinhos, o formato de leitura é diferente, as composições de quadros são diferentes, a utilização de cor é diferente. Por isso mesmo fiz um texto explicando o geral do que seriam as webtoons, e outro texto sobre yuri.
Assim como já explicado, as webtoons girls love costumam ter histórias com personagens mais velhos. Esse tipo de escolha muda completamente o tom das histórias. Os personagens possuem dúvidas sobre si mesmo e maturidade de lidar com as próprias escolhas. Isso faz com que as histórias sejam muito mais reais para pessoas que estão com mais de 18 anos, trabalham meio período e já fazem faculdade.
Mesmo as histórias +13, que não possuem cenas explícitas de sexo, ainda assim tratam de assuntos com personagens mais velhos. É o caso de “Wish You Were Gone” (TAPAS), “Her Tale of Shim Chong” (Tappytoon) e “Blooming Sequence” (Lezhin). Agora quem procura por histórias MUITO picantes, também vai achar.
Ainda não há tantas webcomics girls love no mercado oficial para o Ocidente, o que faz a gente correr muito atrás de pirataria. Mas, mesmo procurando por R18 você vai achar na Tappytoon e na Lezhin. A primeira plataforma tem “What does the fox say” tanto censurado quanto o com etiqueta “mature”. A segunda tem o brilhante quadrinho histórico “Moonlight Garden”, uma história sobre bullying e aceitação como “Two Birds in Spring” e as histórias da Ratana Satis, como Pulse, Lily Love 1 e 2 e Soul Drifters.
Webtoons R+18 são praticamente só encontrados na Lezhin. Fora ela, muita coisa a gente ainda não tem um acesso oficial, e outras plataformas trabalham muito mais com as histórias mais leves sexualmente falando. No entanto, as plataformas estão investindo mais em artistas que criam histórias girls love. É o caso do Tapas e da WEBTOON.
Evolução a passos pequenos
Se compararmos a quantidade de produção de boys love e histórias com casais heterossexuais, o girls love é de longe o gênero que as plataformas menos se importam. O que dá a entender mesmo que a mulher lésbica ou bissexual ainda é extremamente apagada. A Lezhin mesmo quase não anuncia um GL fora algo da Ratana Satis ou alguma continuação de história antiga.
A segunda opção aconteceu 2 vezes na Lezhin. A primeira com “White Angels have no Wings”, que agora tem uma segunda temporada chamada White Angels Get No Rest. E Lilith, um GL R18 que está de volta com a 2 temporada (Lilith 2).
Tapas
Ao contrário da Lezhin, Tapas e WEBTOON estão tentando algo diferente. Tapas trouxe algumas histórias muito boas em 2020, como “Ring My Bell”, “Ghosts of Greywoods” e “Getting to Know Grace”. Antes dessas histórias tínhamos apenas “Our Colors“ e Wish You Were Gone.
Mas, a tendência é que esse número aumente em 2020 e nos anos seguintes. Antes dessas 3 histórias, a categoria GL sequer tinha uma categoria no Tapas, e agora é diferente, dando mais visibilidade para o gênero.
WEBTOON
Já a WEBTOON, maior plataforma de webtoons do mundo, nunca teve uma categoria BL ou GL, mas sim por gêneros, dando abertura para que qualquer usuário conheça de tudo um pouco. Isso dificulta a encontrar coisas mais específicas, já que tem muito quadrinho na plataforma, mas ainda assim é uma política interessante.
Para explicar isso melhor, as categorias são divididas pelos seguintes gêneros:
- Drama
- Fantasia
- Comédia
- Ação
- Slice of life
- Romance
- Super-herói
- Sci-fi
- Investigação
- Sobrenatural
- Mistério
- Esportes
- Histórico
- Coração-derretido (normalmente coisas fofas)
- Terror
- Informativo
“Mage & Demon Queen”, por exemplo, é uma obra original, com mais de 9 milhões de visualizações e com 1 milhão e meio de seguidores, que é abertamente GL. A história é uma comédia romântica bem leve e engraçada entre uma maga e a rainha dos demônios. Se você procurar nas categorias “romance” “comédia” e “fantasia”, Mage & Demon Queen estará nelas.
Além de Mage & Demon Queen, “Muted” é outra história sobre magia e mistério com uma personagem lésbica como protagonista. E pelo andar da história é bem capaz que em algum momento ela vai se relacionar com alguma mulher. “Always Human” é uma webcomic GL de romance já finalizada, que tem um casal lésbico como protagonistas e basicamente tudo é sobre a evolução do relacionamento delas.
E novidades devem vir por aí. A autora da categoria “canvas” do WEBTOON, Curryuku, foi convidada a fazer uma obra original na plataforma, utilizando como referência sua comédia escolar GL “Not so Shoujo Love Story”, que é uma obra com uma sátira muito boa dos romances escolares.
Fora a área original da plataforma, os autores considerados “terceiros” podem publicar sua história por lá. E é na categoria canvas que tem muito GL interessante. Entre eles recomendo Limerence, Amongst Us (que merecia muito entrar na categoria original), Dice Love e BLINDFOLD.
Como saber as novidades das webtoons girls love
Ainda pela dificuldade de termos as webtoons em português, o acesso acaba sendo totalmente em inglês, se procurarmos oficialmente, é claro. Assim, vale seguir nas redes sociais todas as plataformas que lançam webcomics, e os artistas, se possível. O Twitter é a plataforma mais presente quando falamos desse tipo de conteúdo.
Se vocês repararem, coloquei os links diretos para as histórias, então vocês conhecerão as plataformas e poderão seguir diretamente. Além disso, também deixei o Twitter dos autores e desenhistas de algumas obras. São boas fontes de informação, mesmo que algumas @s falem apenas em coreano.
Amino Apps
Fora as redes sociais das próprias empresas (que por vezes deixa a gente na mão também), eu sigo um Amino Apps voltado para yuri e GL. Por lá tem a mistura de muito link oficial das plataformas, e os links piratas. Mas também é um grupo de pessoas no mundo inteiro que compartilham do mesmo gosto.
E sim, o universo GL tem bastante pirataria, e isso prejudica uma cadeia bem grande de profissionais na Coreia (principalmente). Isso já rendeu muitas discussões no Twitter, e tem gente sem noção que vai e manda link pirata e marca a autora da obra. Não façam isso, amigos, não seja idiota.
Mas, como sabemos, o tema pirataria é bem polêmico e cabuloso de se discutir, portanto nem tudo é preto no branco. Tem uma grande área cinza aí que faz com que a pirataria tenha seu papel cultural, principalmente quando falamos de obras digitais que estão disponíveis apenas em inglês (bom lembrar que nem todo país fala bem inglês e nem usa o dólar como moeda oficial, e isso dificulta bastante o acesso).
No mais, acredito que basicamente é isso. Qualquer dúvida, só mandar um e-mail pra gente ou mandar mensagem direta lá no meu Twitter!