Em busca de conhecer um pouco mais de música clássica, em Hibike Euphonium, acompanhamos a trama de Kumiko, e os alunos do clube de orquestra, que buscam melhorar suas habilidades com os instrumentos para chegarem ao torneios nacionais. Assim, com o desenvolvimento destes personagens, em especial, de Kumiko, podemos comparar a narrativa do anime com a estrutura Beat by Beat, um tipo de estrutura usada para escrever roteiros. 

A estrutura Beat by Beat, ou Beat Sheet, foi desenvolvido por Blake Snyder, autor do livro “Save the Cat”. Nele, o autor descreve a cena em que o espectador encontra o herói pela primeira vez. Assim, para ele gerar empatia a este público, ele tem que fazer algo bom, como salvar um gato.

Está estrutura de Snider é mais utilizada no cinema americano, muito comum em filmes de heróis. “Mas também conseguimos analisar essa estrutura de uma forma mais afrouxada em outras mídias, visando impactos dramáticos mais sutis”, como pontua o site Tertúlia Narrativa. Portanto, a proposta deste texto é analisar a construção narrativa no anime Hibike Euphonium, comparando com a estrutura Beat by Beat

Enredo de Hibike Euphonium

Primeiramente, falando um pouco sobre o enredo de Hibike Euphonium, acompanhamos então a jornada do clube escolar de orquestra, da escola Kitauji, para chegar nos torneios nacionais. O clube enfrentou derrotas nos anos anteriores, quando o consultor do clube mudou, e o clube não conseguiu nem participar do torneio de qualificação.

Quando o ano escolar começa, vemos Kumiko Oumae, em seu primeiro ano do ensino médio, esperando um novo começo. Um ano antes, sua escola acabou perdendo o concurso regional de bandas e acabou não indo para o torneio nacional. Só que, mesmo querendo um novo começo, Kumiko acaba cercada por pessoas interessadas no clube de orquestra, onde a garota, acaba entrando.   

Kumiko encontra motivação de que precisa para voltar a praticar música mais uma vez. Ela toca o instrumento eufônio. A garota do ensino médio começa a fazer amigos, e também, reencontra sua antiga colega, Reina Kousaka, trompetista, que estava lá junto com Kumiko quando sua escola perdeu o torneio regional.

O Clube de Banda de Concerto da Escola Kitauji já chegou a participar dos torneios nacionais, sendo reconhecida como uma escola renomada. Entretanto, hoje passa por dificuldades. Assim, graças às instruções estritas pelo novo orientador do clube, os estudantes começam a melhorar e fortalecem suas técnicas para participarem do novo torneio classificatório.  

Hibike Euphonium é uma história slice of life que se passa no ensino médio, onde a proposta é mostrar os personagens realizarem seus sonhos e aspirações. Os personagens do clube então vão ter que enfrentar dificuldades para realizações destes sonhos e enfrentar suas inseguranças.

Hibike Euphonium foi animado pelo estúdio Kyoto Animation em 2015, tendo duas temporadas e especiais. Em 2018, foi lançado o filme Liz to Aoi Tori, que tem enfoque nas personagens Nozomi e Mizore. Em 2019, é lançado Sound! Euphonium: Our Promise: A Brand New Day, onde acompanhamos o clube escolar de orquestra, onde Kumiko está em seu segundo ano do ensino médio.

A jornada de desenvolvimento de Oumae Kumiko

Primeiramente, para se analisar como a estrutura do Beat by Beat encaixa na primeira temporada de Hibike Euphonium, mais especificamente, na jornada de desenvolvimento de Kumiko, precisamos entender o que é exatamente um beat. O termo “beat” foi popularizado por Robert McKee, autor do livro Story, onde já comentei dele aqui no site. Em seu livro, ele descreve que esse termo é uma mudança de comportamento em ação/reação. “Beat por beat, essas mudanças de comportamento mudam a forma da cena”.

Já para Blake Snyder, como cita Tertúlia Narrativa, sua estrutura não se baseia em cenas ou etapas, mas em beats que  teriam a capacidade de facilitar a escrita para os roteiristas e costurar uma história de sucesso. O Beat Sheet que Snyder propõe é feita com propósito de detalhar, de uma forma mais fácil, os pontos de virada de uma história.

A estrutura Beat by Beat proposta por Snyder também é cheia de questionamentos, pois, primeiramente, a mesma possui altos números de beats. Portanto cada autor acaba escolhendo a melhor forma de roteirizar, não necessariamente precisando seguir sempre a mesma. Aqui, neste texto, também não vamos analisar certeiramente os 15 beats propostos por Snyder, e sim, analisaremos de uma forma geral, vendo como podemos comparar alguns elementos da estrutura Beat by Beat com o anime Hibike Euphonium.

Apresentação da personagem e seus princípios

Primeira cena de Hibike Euphonium

Começando a detalhar os primeiros beats da estrutura de Snyder em Hibike Euphonium, começamos com a apresentação da personagem. Na primeira imagem de Hibike Euphonium começa com Kumiko acompanhando os resultados do concurso regional de bandas. Ao seu lado, temos Reina

“A primeira impressão é a que fica”. A primeira imagem que vemos do anime, vai definir o tom, conteúdo, estilo da história e seu clima. Além disso, esse beat é fundamental, é como se ele funcionasse como um espelho, onde o último beat, a imagem final, pode ser o exato oposto desta primeira imagem. 

O que a primeira imagem de Hibike Euphonium apresenta para nós? Quando sai os resultados do concurso regional de bandas, as duas garotas descobrem que a escola não foi classificada. Reina começa a chorar. Já Kumiko não se mostra surpresa porque a escola perdeu. Assim, Kumiko se mostra apática e indiferente. Já Reina está chorando, ela fala: “Estou tão triste que poderia morrer”, e isso acaba dando um choque de realidade em sua amiga. 

Tradução: “Eu estou totalmente triste!”

Essa primeira cena é importante, não só para a construção da amizade das duas mais para frente, e sim também, porque conseguimos diferenciar a Kumiko no começo do anime, e no fim. Kumiko nos mostra desinteresse, mas no final do anime, teremos uma personagem com características e aspirações diferentes. 

Essa característica acaba se reforçando ainda no episódio 1, quando acompanhamos o primeiro dia de Kumiko na escola. A garota ainda tem essa indiferença, não se preocupando com o ambiente e com outras pessoas. Kumiko permanece como um espectador passivo e indiferente.

E isso nos leva ao seu segundo beat, onde Hazuki e Midori, suas novas colegas de classe, perguntam se ela quer conhecer o clube escolar de orquestra. Tudo que Kumiko quer evitar, volta a tona. Esse segundo beat portanto é uma apresentação da proposta temática do anime, onde as duas personagens apresenta uma questão a Kumiko e a mesma ainda não entende o propósito de ter que encarar o clube de orquestra outra vez sem lembrar de seu ano passado, onde a escola dela perdia o concurso regional de bandas e ela fazia Reina chorar. 

Ela acaba sendo forçada a ir conhecer o clube, e assim, já temos a proposta do anime: um anime que vai acompanhar um clube escolar que toca música clássica. A ida ao clube de orquestra já pode ser considerado uma apresentação para esse universo de música clássica que vamos acompanhar.   

A mudança de seus princípios

A forte relação entre Kumiko e Reina

Um fator muito interessante sobre Kumiko é que a personagem é apresentada como alguém que não tem aspirações. Quando ela volta a visitar o clube de orquestra no ensino médio, ela até tenta mostrar que sabe tocar outro instrumento, mas acaba voltando a trocar o eufônio. Nos é mostrado depois que o motivo dela tentar outro instrumento é que ela acredita que ela não tem um motivo para tocar eufônio. Portanto, Snyder caracteriza que neste beat, precisamos mostrar as características e falhas do protagonistas.

É então que os pensamentos da garota começam a mudar. Aqui temos outro beat, ou seja, um catalisador que começa a mudar a jornada de Kumiko. Ela volta a encontrar com Reina, a pessoa que ela desejava evitar por toda sua vida. Aqui que é o incidente inicial. No caso de Hibike Euphonium, é o primeiro problema que Kumiko enfrenta. Vale ressaltar que, todo incidente, ou conflito, não precisa ser algo grandioso que encontramos em animes de ação. Pode ser também um conflito interno da protagonista.

Portanto, Kumiko acaba entrando para o clube de orquestra. Reina e suas duas outras novas amigas também. Kumiko quer se resolver com Reina, mas o sentimento que ela magoou Reina no passado sempre volta. Assim, Kumiko vai ter que se mostrar que tipo de protagonista ela deve ser. Classificando então este momento como o quinto beat, Kumiko vai refletir sobre este momento.

Seguimos então com o anime, onde começamos acompanhar o desenvolvimento do relacionamento de Kumiko com Reina. Aqui, neste momento também, começamos a ver que Kumiko começa a encontrar sua paixão pelo eufônio. 

Tramas paralelas

Enquanto acompanhamos o desenvolvimento de Kumiko em sua jornada na obra, também temos outros personagens que acabam sendo desenvolvidos. Aqui pode ser marcado a quebra do primeiro ato.  É um momento de pausa da trama principal de Kumiko, mas também, estas tramas paralelas acabam se entrelaçando com a trama principal no final do anime. 

Portanto, esse beat tem enfoque em desenvolver outros personagens durante a história e um deles principalmente é Reina. As pessoas do clube de orquestra começam a se sentir intimidados e com ciúmes do talento da garota ao tocar o trompete. Aqui começamos a ver um desenrolar na trama, onde neste momento, é um grande positivo para a história, onde vemos o desenvolvimento de relacionamentos entre os personagens. 

Natsuki, uma das personagens do anime

Assim, seguindo focar em outros personagens, um dos recursos que o anime utiliza é desenvolver momentos que podemos classificar como “diversão e jogos”, que Blake Snyder cita como outro beat. Aqui, é quando os personagens estão explorando essa premissa que foi prometida. Ou seja, aqui é o momento de diversão. Em Hibike Euphonium, temos algumas cenas dos personagens treinando com seus instrumentos, ensaiando, participando de eventos como o SunFest.

E também temos um midpoint na narrativa, que significa o ponto central da história. Os ensaios ficam mais intensos, pedindo para que todos deem mais de si ao tocar. E Kumiko, que começa a entender melhor sobre o eufônio, também está buscando dar o melhor de si.

Sunfest: episódio 5

Podemos analisar aqui o desenvolvimento de Kumiko, uma personagem indiferente, que cresce na história. Ela começa a ter aspirações, onde deseja melhorar sua habilidade em tocar o eufônio. Ela começa a gostar tanto do instrumento, que acaba se tornando sua única atividade além dos estudos. Mas isso acaba trazendo consequências.  

Os questionamentos internos de Kumiko

Neste próximo beat, em um filme de ação, seria o momento em que os vilões apareceriam e lutariam contra o herói, sendo denominada esta etapa como “Bad Guys Close In”. Só que, como estamos analisando um anime slice of life, o que acaba atormentando a nossa protagonista são suas inseguranças. 

Kumiko sente que precisa se tornar especial, sendo encantada por Reina em uma das cenas que elas vão visitar um festival na cidade. Portanto, em busca de se tornar especial, Kumiko se sente inspirada para treinar com seu eufônio, aperfeiçoando seu instrumento. Entretanto, todo o esforço que ela faz não é notado pelos seus colegas do clube e nem pelo professor/orientador do clube. 

Cena em que Reina fala que quer se tornar especial e que Kumiko poderia também.

Isso acaba estressando a garota, e quando ela sente a pressão, temos outro beat. Kumiko, com todo o estresse reprimido, desaba. Ela corre pela ponte, gritando que “quer melhorar!”. Nesta cena ela também repete a mesma fala que Reina fala no primeiro episódio: “Eu estou tão triste que poderia morrer.” Ela entende então o que Reina estava sentindo aquele dia que, mesmo depois de muito esforço em tocar seu instrumento, ela não foi boa suficiente. Este momento podemos caracterizar como o momento oposto do midpoint, onde tudo está horrível para nossa protagonista. 

Cena em que Kumiko repete as mesmas palavras que Reina: “Eu estou tão triste que poderia morrer!”

Kumiko entende os sentimentos e a revolta que sente, tendo que reorganizar todos seus sentimentos. É aqui que ela precisa mostrar o que ela aprendeu, e sente principalmente. E a cena que melhor se especifica a isso é quando Kumiko grita para a sua irmã mais velha que ela gosta do eufônio. 

Analisando mais a fundo, esta cena é extremamente importante, pois Kumiko se mostrava indiferente em relação à irmã, que tinha desistido de tocar na orquestra de sua escola, desistindo do eufônio. Assim, é entendível que Kumiko na verdade tinha um motivo para tocar eufônio, e isto veio da irmã. Então, quando a irmã desiste, Kumiko sente que não tinha necessidade de tocar o instrumento, e muito menos continuar a tentar participar da banda. 

Kumiko e sua irmã mais velha

Então, quando ela afirma para a irmã que ela gosta de tocar eufônio, Kumiko afirma para si mesma que existe um motivo para ela tocar o instrumento, e que assim, ela quer melhorar suas habilidades. É neste momento que sentimos que o desenvolvimento de personagem que Kumiko teve durante a primeira temporada do anime valeu a pena. Vendo sua indiferença, se tornar uma paixão. Aqui sentimos um sentimento fiel da protagonista, e é aqui que faz o espectador sentir empatia por Kumiko.   

Conclusão de Hibike Euphonium

Após Kumiko entender o que sente e encontra suas aspirações, e o grupo de orquestra continua a treinar arduamente, e assim, finalmente chega o torneio classificatório, que verá se a banda da escola Kitauji conseguirá avançar para as finais. 

Portanto, é nesse beat, neste último ato, que as lições aprendidas são colocadas em prática. E isso é reforçado quando é mostrado a banda tocando no palco. Além de todas as técnicas apresentadas, uma mensagem também é fortalecida: Os laços que se criaram durante os últimos meses de treino, como fotos que são coladas nas partituras. Assim, tanto a trama de Kumiko, como outras tramas paralelas desenvolvidas no anime, se juntam aqui, e mostram o significado desta mudança. Aqui temos a escola Kitauji pronta para o campeonato nacional.

Por fim, o último beat, como disse lá no começo, é o oposto da primeira imagem que vimos no anime. Assim, encontramos uma Kumiko totalmente diferente do que conhecíamos antes. Kumiko agora entende seu propósito com a banda e com eufônio, ou seja, ela não tem aquela visão apática que tinha no começo do anime. Essa cena portanto reforça a construção de personagem que nossa protagonista teve durante o anime para ela conseguir ter essa mudança. 

Beat by Beat em Hibike Euphonium

O desenvolvimento de Oumae Kumiko em Hibike Euphonium é feita de uma forma sutil. Vamos acompanhando os medos e revoltas da protagonista durante o anime. Quando Kumiko tem seu colapso, aquela cena toca os espectadores porque estamos acompanhando o desenvolvimento da personagem no anime inteiro.

Portanto, o interessante em Hibike Euphonium é que o maior problema de Kumiko é ela mesma. Ela, no começo do anime, sempre mentiu para si mesma, dizendo que não queria tocar em uma banda, e muito menos gostar do eufônio. Mas a verdade, ela sempre gostou dessas coisas. 

Portanto, cada beat no anime é uma ação ou reação que Kumiko passa e que ajuda a desenvolver a personagem para entendermos, e ela também, como ela é. Cada cena tem um comportamento diferente da protagonista, onde, em seu maior ponto de tensão, Kumiko reage de um jeito que acaba deixando o espectador surpreso.

Segunda temporada do anime, onde tem um foco importante na personagem Asuka

Mas como disse antes, a estrutura Beat by Beat não precisa ser seguida para a formulação de um roteiro, é mais uma de várias técnicas e estruturas de roteiro disponíveis para o roteirista. Assim, com uma fórmula de criação de roteiro, podemos analisar obras, seja filmes, seriados ou em animes. 

Aqui analisei a jornada de Kumiko apenas na primeira temporada do anime. Na segunda temporada, Kumiko, que já tem uma visão totalmente diferente, vai enfrentar problemas sobre suas relações pessoais com membros do clube. É aqui que ela sente que precisa desenvolver mais as relações, sendo honesta com as pessoas mais próximas. E assim, estes relacionamentos podem definir ela como pessoa. 

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