O diálogo muitas vezes é um dos pontos mais importantes de uma história. Um diálogo precisa se assemelhar a conversas reais, no entanto sua mecânica precisa ser cuidadosamente pensada para conseguir funcionar na história que está sendo mostrada ao espectador. Podemos dar o exemplo então do anime Death Parade. Os diálogos dos personagens aparentam agir de uma forma orgânica para o avanço do enredo.

Death Parade é uma série de anime lançada no ano de 2015, escrita e dirigida por Yuzuru Tachikawa. O anime foi produzido pelo estúdio Madhouse e sua história surgiu a partir de Death Billiards, curta produzido para Young Animator Training Project, projeto que, já citado no Chimichangas,  busca estúdios de animação para produzir vários curtas de animação.  

Acompanhamos a história de um mundo vida após morte, ambientado em um bar, onde um bartender, chamado Decim, recebe as pessoas que acabaram de falecer. Decim sempre recebe duas pessoas que não recordam de nada sobre a morte deles. Assim, Decim os convidam para jogar um jogo que é sorteado em uma roleta onde, por meio dos sentimentos e crenças que esses personagens revelam durante o jogo, Decim irá julgar quem poderá renascer e quem irá para o limbo.

Portanto, Death Parade tem muito a que nos revelar sobre esse universo que o anime ambienta. Primeiramente, temos que entender como o universo funciona e como é construído os personagens que estão por lá. Ao mesmo tempo, uma mulher que acabou de falecer, chega naquele mundo com suas memórias intactas, onde pode causar uma grande mudança na rotina de Decim e dos outros personagens. 

Dessa forma, vamos analisar como o anime tenta trabalhar com esses mistérios e revelações com o uso do diálogo que vem como um ponto forte para o roteiro da trama. Ao mesmo tempo em que vamos analisar como um diálogo pode funcionar para um roteiro de uma forma geral.   

A exposição do diálogo

Primeiramente, vamos entender a importância do diálogo nas histórias. Muitas vezes é dito que o diálogo tem que estar no roteiro com algum objetivo específico. Então, se ele está lá sem um propósito, ele deverá ser cortado. Mas nem sempre é assim. Portanto, é interessante entender sobre as funções que o diálogo pode ter na história em vez de pensar se ele é útil ou não para a história. 

Começamos então com o ponto mais importante do diálogo que sempre vemos sendo discutido ao analisar uma obra: O quanto um diálogo pode expor sobre a história que será mostrada? Como pontua Marcos Hinke no site Tertúlia Narrativa (2019), toda história envolve fornecer uma série de informações ao público através de dramatização. Essas informações podem ser reveladas em pequenas conversas, sendo informações sobre o ambiente que a história se passa, o passado de algum personagem, os gostos dele e entre outras informações… 

As regras do universo e dos jogos em Death Parade

Assim, por mais que é dito que não se pode revelar quase tudo com base dos diálogos, muitas vezes é interessante revelar algumas regras do universo e como os personagens se relacionam por base do diálogo. Dessa forma, em Death Parade não é diferente. No anime, no primeiro episódio, temos diálogos muito bem apresentados para o espectador começar a entender o que é exatamente o universo que estamos acompanhando.

Começando a analisar então, os primeiros dois personagens no anime chegam naquele mundo e são recebidos por Decim. Os personagens já reforçam que não se lembram de nada, tanto no começo, e depois quando Decim pergunta para eles. Um dos personagens pergunta a Decim o que é exatamente esse local, o bartander diz que não irá explicar agora, mas eles entenderão depois. De certa forma, essa fala pode ser dita para o espectador também, que vai entender o que acontece naquele universo daqui alguns instantes junto com esses dois personagens.

Portanto, Decim começa a dizer algumas regras sobre o jogo que os dois personagens vão jogar. Sendo a proposta do anime, é interessante ver como o personagem apresenta o jogo e as consequências, portanto aqui temos um momento de exposição. Não chega a ser totalmente tudo exposto, pois vamos entendendo a proposta dos personagens jogarem aquele jogo mais para frente. 

Seguindo, os dois personagens vão ter que jogar um jogo de dardos. No entanto, ao jogarem os dardos nos alvos, dependendo de onde acertar, pode causar dor para a outra pessoa. O jogo começa a ficar tenso quando os dois personagens começam a recuperarem as memórias. Toda vez que algum dos dois fazem uma pergunta com o propósito de revelar o sentido do jogo, Decim não responde, o que faz mais uma vez nós entendermos que o anime não quer expor tudo de uma vez para o espectador. 

Depois de alguns momentos emocionantes, sendo revelado o passado do casal, finalmente um deles percebe que eles estão mortos. É perguntando para Decim, trazendo um certo drama para a cena e o bartander traz a confirmação. É muito interessante assim para quem vai assistir o anime e descobre quase no fim do episódio a proposta do universo. Decim expõe então a proposta do universo no final do episódio. 

Diálogo com caracterização

Analisando mais uma função do diálogo, para Robert McKee, célebre professor de escrita criativa, pontua em seu livro STORY (1997) que, a segunda função do diálogo é a criação e expressão de características específicas para cada personagem do elenco. Assim, a verdadeira personalidade da personagem só é mostrado quando a mesma está em momentos de pressão, onde ela é obrigada a fazer escolhas. 

Portanto, podemos enxergar as características das personagens em como se comportam, conversam e agem. Nesse momento, é então mostrado traços e comportamentos que são comumente percebidos. Mas reforçando, esses personagens só vão mostrar sua verdadeira natureza quando forem postos em conflito. 

Os ideais dos personagens em Death Parade

Tradução: “Todos cometem erros”

Um dos pontos mais interessantes das personalidades dos personagens em Death Parade é que os juízes daquele universo, os que julgam as pessoas, não possuem emoções. O personagem Oculus, o criador do sistema de julgamentos, acredita que para o juiz julgar totalmente correto as pessoas que acabam falecendo, eles não podem transmitir nenhuma emoção para não criar certa empatia pelo passado de alguma pessoa. Também já cheguei a comentar sobre o sistema falho de Death Parade no Chimichangas.

Mas começamos a entender que alguns personagens naquele universo tem ideais diferentes. A personagem Nona sempre se mostra alegre e otimista sobre aquele lugar, mas por trás, deseja mudar o sistema de julgamentos e isso só vai ficando claro após algumas conversas com Oculos e outros personagens. Ginti, o outro juiz do universo vida após morte, se mostra primeiramente estressado e uma pessoa sem paciência, mas que de certa forma, pode ter certa empatia por alguns personagens. Isso vai sendo mostrado após conversas com Mayu, personagem que faleceu no mundo normal. 

Entretanto, a personagem que merece mais destaque é Chiyuki, a moça que chega ao universo com suas memórias intactas mas que Nona consegue apagá-las depois. Começamos então a entender que o conflito central do anime é entender quem é ela e qual seu passado. Assim, o roteiro vai ter que nos revelar por meio de cenas, flashbacks mas principalmente por diálogos.

De certa forma, chegamos ao impasse de questionar o quanto podemos informar sobre o universo e os personagens e quando informar na história. De acordo com Marcos Hinke, “a exposição em diálogos funciona melhor se for apresentada em pequenas doses e que seja inserida de forma natural no diálogo”. 

Assim, em Death Parade, o enredo consegue seguir essa proposta. Aos poucos nos é revelado sobre a personagem Chiyuki. Só sabemos quem é exatamente a personagem, seu nome, sobre a sua vida e seus ideais nos últimos episódios após principalmente conversas dela com Decim e flashbacks sobre seu passado. Isso tudo ao mesmo tempo que nós somos apresentados ao conflito do problema daquele universo por Nona. Quando os dois conflitos se juntam, aquilo acaba afetando o personagem Decim ao entendermos que Chiyuki foi a mulher que Decim não conseguiu julgar no primeiro episódio pois ele criou certa empatia por ela. 

Diálogo como ação

Além do diálogo ser uma ferramenta para expor alguma coisa, ela também pode ser vista como uma ferramenta de ação. Ou seja, como pontua Marcos, “se trabalhado no contexto apropriado, também é ação (ou melhor, ação dramática), ou seja, também pode ser usado na função de mostrar através de palavras calculadamente construídas em relação a outros elementos da história.”

No entanto, por mais que podemos saber o que o personagem está sentindo por meio de diálogos, é importante também mostrar cenas que os personagens apresentam uma ação, necessariamente não contado por forma de diálogo o que estão sentindo. O espectador pode sentir os aspectos da situação que o personagem está passando através desses momentos também. 

A emoção em cenas sem diálogos em Death Parade

Podemos dar o exemplo com dos últimos episódios de Death Parade. Quando finalmente é revelado quem é Chiyuki e ela passa seus últimos momentos naquele universo com Decim, ela começa a patinar em uma pista de gelo que o bartender construiu para ela. 

Quando ela começa a patinar, Chiyuki começa a relembrar seu passado, por meio de flashbacks, já que patinar era algo que ela fazia antes de morrer. Aqui temos dois pontos muito interessantes para serem analisados. Primeiramente, é mostrado então a história de Chiyuki por meio de flashbacks. É uma escolha arriscada para o roteiro, mas acaba funcionando bem para aquele momento, onde ela não precisou contar em detalhes sobre sua vida a Decim, ao mesmo tempo,só precisou mostrar para o espectador por meio de flashbacks. O flashback é um recurso muito utilizado em roteiros de animações japonesas, sendo um recurso para contar o passado de algum personagem sem que o mesmo tenha que expor por meio de palavras.

O segundo ponto importante é a emoção que essa cena possui. São vários sentimentos de alegria e tristeza que Chiyuki sente ao patinar na pista de gelo e relembrar sobre seu passado. Mais uma vez, ela não precisou contar para Decim o que sentia, ela só precisou patinar, sem falar nada, para o espectador sentir as emoções que ela sentia naquele momento. Aqui também, todos os pontos técnicos, como animação e trilha sonora, ajudam a criar um clima emocionante para a cena. 

A importância de um bom diálogo

É importante ressaltar que, por mais que existem teorias sobre a criação de roteiros, desde como um roteiro deverá ser estruturado, ou como construir diálogos, nem todo roteiro precisa seguir uma forma convencional. E isso podemos destacar em como os roteiros de animação japonesa são criados em comparação a produtos ocidentais. 

Exclusivamente, em animações japonesas, observamos que temos muitos animes que seguem a proposta de exposição com diálogos. Toda a cena e ação que acontece, o personagem acaba reforçando por meio do diálogo a ação que aconteceu ou está prestes a acontecer. Isso pode ser um formato comum para os animes que pode acabar tendo seu sucesso particularmente. 

Já em Death Parade, o enredo consegue seguir propostas interessantes com seu diálogo. As falas dos personagens são calculadas para a história ser interessante de ser acompanhada. A exposição de informações sobre o universo e os personagens acontecem, no entanto, em seu momento adequado. 

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