“Recordamos a realidade dos desenhos, em vez de pensar que os desenhos são reais”, disse Isao Takahata ao definir suas animações no making off do O Conto da Princesa Kaguya, Looking for Reality de 2014. Ele é um dos co-fundadores do Studio Ghibli, onde chegou a dirigir 6 filmes para o estúdio. As animações e as mensagens que Takahata trazem estão em grande destaque em seus filmes.

Isao Takahata nasceu em 1935 e junto com Hayao Miyazaki e Toshio Suzuki, fundaram o Studio Ghibli em 1985. Os diretores, com o novo estúdio, propuseram produzir filmes de alta qualidade, cuidadosamente desenhados e com bons enredos. Tudo isso no tempo desejado, trabalhando com prazos maiores de produção. 

O primeiro trabalho de Takahata pelo Studio Ghibli foi Túmulo dos Vagalumes (1988), onde ele dirigiu a história de sua própria autoria. Takahata também dirigiu obras originais como Memórias de Ontem (1991) e Pom Poko: A Grande Batalha dos Guaxinins (1994). História adaptada de um mangá, o diretor também produziu o filme Meus Vizinhos Os Yamadas (1999). E por fim, O Conto da Princesa Kaguya (2013), seu último filme dirigido, é baseado em um conto japonês. Takahata faleceu no ano de 2018 após ser diagnosticado com câncer de pulmão.

Isao Takahata

Desse modo, podemos analisar como Takahata conseguiu produzir seus filmes com base na proposta da fundação do Studio Ghibli. O diretor conseguiu buscar autenticidade na animação de suas obras, dando também força aos temas que seus filmes debatem, refletindo em temas como a temática de guerra e o ambientalismo. 

Temas que Isao Takahata debate em seus filmes

Memórias de Ontem (1991)

Para quem conhece os filmes do Studio Ghibli sabe-se que as histórias não são tão infantilizadas comparadas com filmes de animações originais dos Estados Unidos. Assim, os enredos dos filmes do Studio Ghibli procuram abordar temas com o objetivo de criar uma reflexão ao espectador e os filmes de Isao Takahata não são diferentes. No entanto, os filmes do diretor pode ter suas características únicas, como primeiramente, o ritmo de seus filmes. Seus filmes, que normalmente tem duração de 2 horas, trabalham com um ritmo vagaroso. Isso pode afastar os espectadores que não estão acostumados com esse tipo de proposta.

O desfile das figuras místicas em Pom Poko (1994)

Outro fator é que, em grande parte, Takahata buscou trabalhar com a cultura nipônica. Em alguns filmes do diretor, até conseguimos entender alguns pontos que ele trabalha sobre a cultura japonesa, no entanto, filmes que ele trabalhou em grande parte, como Pom Poko, pode ser uma experiência diferente para os espectadores do ocidente. 

Sobre alguns dos temas que Takahata trabalhou em seus filmes, temos a questão diretamente da guerra principalmente no filme o Túmulo dos Vagalumes, que chegou a ser um dos filmes mais aclamados pela crítica, segundo o crítico Roger Ebert (2000). O filme retrata dois irmãos que tentam sobreviver ao cenário de caos que a Segunda Guerra Mundial traz ao Japão. 

Meus Vizinhos os Yamadas (1999)

Meus Vizinhos os Yamadas se diferencia, tanto em questão de animação, como também em enredo. A rotina da família Yamada é contada em esquetes com uma animação mais simples onde não aparece totalmente um cenário, um plano de fundo, além também de ser a primeira animação digital que o Studio Ghibli produziu.

Em Pom Poko, temos a questão ambientalista, em que os Guaxinins se envolvem em uma guerra por conta de seus territórios desmatado pelos humanos. Então, no filme, temos uma presença muito forte de elementos da cultura nipônica, onde os guaxinins fazem um desfile de figuras místicas, com seus significados, pela cidade como um ato de resistência. A questão ambientalista também é presente em As Memórias de Ontem, que traz o debate da diferença entre a rotina da cidade e do campo. 

Por fim, O Conto da Princesa Kaguya é um dos animes que mais se destaca, desde sua animação, como também ao enredo. Adaptado do O Conto do Cortador de Bambus, temos a protagonista Kaguya que tem uma importante construção de personagem. O filme trabalha pontos complexos de uma tradição de um povo que não conhecia os absurdos dos tempos modernos.  

Os enredos dos filmes do Takahata trabalham de uma forma sutil com esses temas, onde alguns podem se diferenciar, como o Túmulo dos Vagalumes, que tem uma crítica mais direta a ambientação da guerra, e outros que buscam trabalhar com um ritmo mais leve, como Pom Poko que, por mais que tenha uma crítica a questão ambientalista, o ponto forte ainda é a comédia do filme. Esses temas então, foram trabalhados e debatidos junto com a proposta de animação de Takahata

A autenticidade na animação de Isao Takahata

O conto da Princesa Kaguya (2013)

Cada filme de Takahata tem sua peculiaridade. Desde sua animação, como também seu enredo, onde podemos ver que Takahata buscou inovar na produção de seus filmes tendo um objetivo em mente, trazer autenticidade em suas animações. O diretor procurou estudar movimentos e formas para aplicar em seus desenhos, fazendo que os movimentos, inclusive de seus personagens, nos transmita o pensamento de como aquilo é parecido com nossas ações reais. 

Não é apenas nos filmes de Isao Takahata que encontramos essa proposta. Nos filmes do Studio Ghibli, inclusive os filmes de Miyazaki, vemos animações muito detalhistas. Temos cenas, por exemplo, em que há bastantes detalhes para o personagem compor uma ação. Isso acaba chamando a atenção dos espectadores. 

Já nos filmes de Takahata, o mesmo sempre deixou claro que tentava buscar essa autenticidade na composição das ações dos personagens. Então, a proposta do diretor em seus filmes, com foco na animação, foi fazer os espectadores absorverem principalmente os detalhes da animação. Absorvemos os movimentos detalhistas dos personagens e sentimos como as ações são fiéis. 

Memórias de Ontem e os detalhes da rotina do campo

Nesses filmes, todo o detalhe é importante. Podemos acompanhar desde a rotina de um personagem, como por exemplo, de Taeko em Memórias de Ontem, onde temos ela criança em sua rotina escolar. Os detalhes dela em sua rotina são essenciais, desde ela se trocando para ir a escola, indo ao lugar para estudar… Isso tudo facilita ainda mais que o espectador crie afeto pela rotina da personagem e por ela mesmo, voltando as memórias de ter já vivenciado esse momento da vida.

Mas ao mesmo tempo, podemos assistir uma rotina totalmente nova do personagem. Ainda sim, Takahata conseguiu trazer a questão da empatia do espectador a obra. No mesmo filme, é mostrado Taeko, mais velha, em uma rotina do campo, onde é capaz que muitos espectadores não estão familiarizados. Takahata conseguiu então trabalhar em como os detalhes possam chamam nossa atenção. No filme, Taeko e os outros personagens são mostrados cuidando do campo, colhendo frutos e fazendo, etapa por etapa, um pigmento vermelho para tingir tecidos retirados de pétalas de flores. 

Uma curiosidade é que, para criar as expressões dos personagens em Memórias de Ontem, Takahata quis capturar a performance dos dubladores e modelar os personagens animados sobre isso. Assim, antes do processo de animação do filme, os diálogos dos personagens foram gravados primeiro e assim os animadores ajustaram a animação ao diálogo falado. A proposta de Takahata nesse filme foi incentivar as imperfeições do diálogo, como as pausas dos personagens enquanto falam, seus suspiros e reações. 

Memórias de Ontem se destaca por ser um drama realista escrito para adultos, especialmente mulheres, onde a animação e enquadramento dos personagens consegue trazer um contraste sutil ao estilo do anime. 

Túmulo dos Vagalumes e a fuga da realidade

Túmulo dos Vagalumes (1988)

Em Túmulo dos Vagalumes, temos um anime que também trabalha com uma realidade que muito de nós não vivemos, que é a guerra. No filme, o ponto alto é a relação dos dois irmãos, Setsuko e Seita. Os irmãos perderam muita coisa por conta da guerra, como a infância e a inocência, e também a vida. Sendo uma história mais trágica, com uma mensagem mais direta, nos emocionamos em como os dois irmãos vão lutar para sobreviver. 

Uma das questões mais marcantes nesse filme de Takahata é crítica a desumanização da guerra. A grande maioria dos personagens tentam viver suas vidas em um Japão em crise, tomado pela fome e bombardeios. A guerra faz parte da rotina dos personagens, onde eles parecem estar acostumados em encontrar pessoas com fome, desnutridas e outras até falecidas nas ruas.

Além das cenas da busca da sobrevivência de Setsuko e Seita, temos cenas que aparecem os dois personagens brincando, inclusive de Setsuko às vezes sozinha. Essa ideia da garota estar brincando em seu mundo imaginário, remete que ela fuja da realidade, do sofrimento que eles vivem. Assim, em questão de animação, os movimentos e expressões da personagem são tão detalhistas com o propósito de remeter em como funciona o comportamento, imaginação e as brincadeiras de uma garota de 4 anos.

Meus Vizinhos os Yamadas e a animação digital

O filme Meus Vizinhos os Yamadas é uma das obras que mais gera debates sobre opinião de gosto dos espectadores. O formato difere dos outros filmes, onde o mesmo não segue uma narrativa do começo ao fim, e sim em formato de esquetes onde acompanhamos a família Yamada e seus problemas do cotidiano. 

A produção do anime é feita digitalmente. Como explica Paulo Vinicius no site Ficções Humanas, “Takahata optou por empregar uma palheta de cores com base na pintura de aquarela que deu à animação um aspecto todo característico. Tratou-se de uma animação experimental usando técnicas diferenciadas de forma a fornecer aos animadores do estúdio a experiência necessária para lidar com a animação digital.” Esse experimento deu resultados para produções de outros filmes do Studio Ghibli, como em A Viagem de Chihiro (2001) de Hayao Miyazaki.     

A animação é marcada por não possuir um background das cenas, ou seja, necessariamente um cenário completo. Isso pode se dar que o foco principal do filme é mostrar as relações familiares. No entanto, por mais que isso traga a ideia que seja uma animação mais simples, ainda podemos considerar o filme com cenas bastantes detalhistas. 

Podemos citar o exemplo de uma das primeiras esquetes do filme, onde a família acaba esquecendo Nonoko no shopping. A família está no carro para buscar a garota e podemos observar as ações do pai em relação ao carro. Temos a ação dele abrindo o vidro do carro, trocando de música no rádio e ainda mudando a marcha, tudo isso de uma forma detalhada. A animação busca mostrar os detalhes das ações dos personagens, onde sentimos que cada gesto e detalhe é importante para nós.

Cena do pai Yamada vendo a gangue na rua

Por mais que temos esse padrão de animação que Takahata apresentou, temos algumas cenas que acabam se diferenciando. No filme dos Yamadas, temos por exemplo a cena do pai enfrentando a gangue na rua. O traço da animação acaba mudando, se tornando mais realista, dando uma quebra de padrão do que estamos acostumados a assistir no filme. Essa proposta então de mudança da animação pode estar ligada diretamente com o conteúdo narrativo, onde o pai Yamada está enfrentando uma situação que podemos considerar perigosa. Para o espectador, saímos daquele ambiente familiar e enfrentamos algo novo. 

O Conto da Princesa Kaguya e o descontrole da animação

Podemos fazer essa análise de mudanças de animação também no filme O Conto da Princesa Kaguya. Desse modo, no filme, temos cenas em que a animação é diferente. Podemos citar a cena em que Kaguya sai correndo após ouvir uma conversa em que os homens estão discutindo sobre ela. É uma cena que chama a atenção. Ela é cheia de emoções vindo da personagem, transbordando na animação, parecendo que o animador não tem mais controle da animação de tanta emoção que ela transmite. No entanto, por mais que o traço acabe mudando, o espectador sente o impacto do realismo, onde o foco desse tipo de cena é trazer os sentimentos que Kaguya estava sentindo durante a cena. 

Podemos fazer também a comparação das cenas de autenticidade da ação dos personagens em Kaguya também. Em um pequeno documentário sobre o making off do filme chamado Looking for Reality , mostra como Takahata buscou animar algumas cenas do filme. Primeiramente, ele usa mais frames (quadros por segundo) para animar, trazendo mais movimento ao personagem e assim a verossimilhança na ação deles. No making off mostra também a relação de Takahata com os animadores, onde ele gostava de pedir opiniões em como é o melhor jeito de animar certas cenas. 

Por fim, um dos momentos do making off que mais chama a atenção é os animadores, junto com Takahata, observando um dos animadores cortando um melão, onde temos a cena no filme de Kaguya e Sutemaru cortando e comendo a fruta. Podemos comparar até no primeiro filme do Studio Ghibli feito por ele, o Túmulo dos Vagalumes, em que Seita corta uma melancia para Setsuko. Para Takahata, insatisfeito em como a cena foi animada, o corte da fruta não parecia real, não fazia lembrar do jeito que cortamos uma melancia. Assim, o propósito da cena do making off de Kaguya foi entender como nós cortamos a fruta para os animadores conseguissem animar isso da forma mais autêntica possível no filme.

Por que as obras de Isao Takahata são encantadoras? 

Na proposta então de trazer autenticidade para suas animações, Isao Takahata buscou animar os movimentos dos personagens da forma mais fiel possível. O mesmo conseguiu esse feito pela proposta que o Studio Ghibli dá a esses animadores que é a questão do tempo de uma produção. Dessa forma, o Studio Ghibli se difere de outros estúdios que tem o foco em trabalhar animes para temporadas. Assim, com o tempo necessário, Takahata conseguiu estudar os movimentos e animar da forma que ele desejava em seu filme.

Além da animação que nos encanta por ser autêntica, Takahata conseguiu trabalhar com temas em seus filmes de uma forma muito leve e singela. Desse modo, seus filmes fazem o espectador questionar e refletir sobre questões da vida, onde criamos empatia tanto pelo enredo e pelos personagens de suas obras. Esses dois pontos, o enredo e a animação, são dois marcos importantes que Isao Takahata trouxe ao Studio Ghibli e a indústria de animação japonesa, onde torcemos que os futuros animadores e diretores possam trazer um pouco dessa essência em futuras obras. 

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