Anime feito pelo estúdio Toei Animation consegue ser a obra mais diferente do estúdio. Kyousou Giga, anime de 2013, tem bastantes elementos interessantes para ser analisados, desde os seus elementos narrativos, personagens e sua animação.

Muitos fãs tem críticas sobre o estúdio Toei Animation pois algumas produções deles acabam sendo não satisfatórias. Porém, Kyousou Giga é uma obra que teve grande potencial, ainda mais em sua animação, ponto que o estúdio é bastante criticado. Já a animação de Kyousou Giga é tão bem detalhada e criativa, que é impossível não nos chamar a atenção.

Sobre a trama, o foco principal de Kyousou Giga com certeza é o tema família. Assim, o foco principal é a história de uma família que possui suas separações, encontros e desencontros, mas o mais importante, é o crescimento de todos eles durante a trama.

Juntando esses dois pontos, Kyousou Giga nos traz um leque cheio de referências, especialmente da mitologia nipônica e também alguns pontos sobre as obras de Lewis Carrol que vou analisar neste texto.

Enredo de Kyousou Giga

Primeiramente, explicando um pouco sobre a história de Kyousou Giga. A princípio, o anime ganhou uma ONA (Original Net Animation) lançada em 2011. No ano de 2012, acabamos ganhando mais 5 episódios de poucos minutos cada para internet. Até que, em 2013, finalmente a obra ganha uma adaptação para anime com 10 episódios.

Kyousou Giga, dirigido por Matsumoto Rie (Kekkai Sensen), conta a história do sacerdote Myoue, que consegue dar vida a qualquer desenho que ele fazia. Infelizmente, essa sua habilidade fez com que os moradores de sua cidade ficassem com medo. 

Myoue continua seus desenhos até ele fazer Koto, uma coelha que acaba se apaixonando pelo sacerdotisa, mas sente que não consegue expressar seus sentimentos. Só que tudo muda quando um bodhisattva aparece. Bodhisattva é alguém que atinge o estado de Buda e fica ao mundo para guiar as demais pessoas. Ele faz uma proposta para Koto que emprestaria seu corpo se ela o devolvesse depois. Assim, ela consegue se declarar para Myoue

Koto e Myoue

Os dois, agora juntos, vivem sozinhos por um tempo até Myoue adotar uma criança que se chama Yamushimaru. Para que a criança não ficasse sozinha, Myoue decide desenhar para ele mais dois irmãos, Kurama e Yase, um demônio.

A família decide se mudar para uma pintura desenhada por Myoue, a cidade espelhada chamada Kyoto. Só que aos poucos, Koto começa a sonhar com o fim daquele mundo, acreditando que a causa disso é que ela precisa devolver seu corpo a bodhisattva. Ela e Myoue decidem deixar a cidade, prometendo que iriam voltar um dia. Myoue entrega seu posto de monge da Cidade Espelhada a Yakushimaru, e ele agora se chama Myoue.

Yakushimaru, ou o novo Myoue

Assim, anos se passando, os dois ainda não voltaram. Yakushimaru (chamarei ele assim para não confundir) dirige Kyoto com o Conselho dos Três que é composto junto com Yase e Kurama. Só que, a cidade de Kyoto no começo do anime é atingida por uma tempestade de raios e assim, uma garota surge. Seu nome é Koto e ela fala que está atrás de uma coelha. 

Lewis Carroll: “Num País das maravilhas eles vivem”

A separação

Você, espectador, lendo o enredo de Kyousou Giga, pode ter vindo a sua mente a história da Alice do País das Maravilhas de Lewis Carroll. Já que Koto vai aquele novo mundo imaginário, uma cidade que na verdade é uma pintura, atrás de uma coelha.

Mas antes de tudo, vamos analisar aos poucos. Não é apenas Alice no País das Maravilhas que tem alguma semelhança com Kyousou Giga. Lewis Carroll sempre tinha ideias parecidas para a construção de suas histórias, por isso conseguimos analisar alguns pontos em diferentes histórias do autor e comparar com o anime. 

Primeiramente, sobre um poema que Carroll escreveu, “A Boat Beneath a Sunny Sky”, se assemelha bastante a trama central proposta do anime. O poema de Lewis Carroll remete aos temas de dor e separação. Buscando o que falei acima, que Kyousou Giga é um anime sobre família, dá para ter essa comparação que ambos os três filhos estão sofrendo pela separação da família, onde os pais foram embora de Kyoto.

Tradução das últimas linhas: “Num País das maravilhas eles vivem; Sonhando conforme os dias passam; Sonhando conforme o verão acaba. Eternamente navegando corrente abaixo; Se apegando a um brilho dourado; Vida, o que é se não um sonho?” (créditos a tradução: ANMTV)

Acho interessante a comparação deste texto do site ANMTV que fazem com o poema de Lewis Carroll. Pegamos as últimas linhas do poema para analisar e como a história de Kyousou Giga acaba sendo parecida.

Não deixando de lado também a obra Alice Através do Espelho e o que Ela Encontrou Por Lá, também nos trazem a referências para Kyousou Giga. Por exemplo, por mais que Koto vai ao mundo espelhado em busca do coelho, o jeito que ela vai remete muito mais a sua entrada aquele mundo que também lembra a Alice através do Espelho.

A construção de Koto

Koto, a garota que chegou na Cidade dos Espelhos. (Sim, ela e a Koto que era um coelho possuem o mesmo nome)

Analisando a personalidade de Koto, podemos ver como ela tem questões muito parecidas com a personagem Alice dos livros de Lewis Carroll. Koto e Alice são duas garotas em sua pré-adolescente, em fase de desenvolvimento, com questões sobre suas inocências e sentimentos bastantes confusos. E também, as duas possuem o mesmo objetivo: ir atrás do coelho. 

Quando digo sobre a inocência, é bem comum observarmos esse tipo de tema sendo posto nas histórias de Carroll. Não quero acabar entrando em detalhes sobre a fixação sobre garotas pelo autor, mas muito menos estou o defendendo. Estou aqui para analisar os pontos que propus no texto. 

Desta forma, Koto nos traz essa ideia de inocência como Alice tem. Koto também é construída para se diferenciar dos três irmãos. Enquanto Yase se remete ao presente, tentando ignorar seus traumas do passado, Kurama, que pensa no seu futuro, e Yamushimaru, que apenas quer viver o presente, Koto é mais diferente ainda. 

Ela representa o ideal, já que ela não tem um passado para se preocupar e talvez nem um futuro para se pensar. Isso pode se remeter a sua imaturidade, já que muitas vezes, quando somos crianças, só estamos vivendo o presente e vivendo como moderação, como ela e também Alice. Alice nunca pensou duas vezes se valia a pena ir atrás do coelho e entrar na toca, ela apenas foi. Koto e Alice não possui urgências na vida, elas apenas vivem dia a cada dia. 

A demônio Yase

A demônio Yase

Outra personagem que sugere a inocência é Yase. Tanto Yase, como os outros dois irmãos, Kurama e Yamushimaru, acabam enfrentando problemas após os pais os abandonaram. Sendo jovens, acabando tendo que lidar com um trauma desde cedo, cada um leva como pode.

A demônio Yase acaba sendo obsessiva e sempre tem mudanças de humor. Então, ela sempre busca ao escapismo para tentar reprimir seus traumas. Ela sempre foi a mais otimista entre os dois irmãos e então só favorece a ela a acreditar mais que sua mãe um dia vai voltar a cidade de Kyoto. No fundo, ela não aceita a realidade de viver sem sua mãe, acabando não querendo sofrer com problemas do passado e apenas focar no presente. 

Kurama, o irmão do meio

O design de Yase também acaba reforçando essa ideia de infantilidade, pois, enquanto o restante dos personagens tem design mais contemporâneos, Yase acaba tendo um que reflete as sensibilidade dos mangás shoujos dos anos 70 e 80.

A cultura nipônica e o budismo

Muitos elementos também acabam sendo ligadas a mitologia nipônica, muito forte na cultura japonesa que muitas vezes é um tema abordado em muitos animes. Já até fiz um texto sobre os simbolismos em A Viagem de Chihiro, onde Miyazaki, o diretor, traz muitos elementos que podemos analisar sobre a cultura japonesa.

Onde eu quero chegar é que, Kyousou Giga trabalha a cultura japonesa, mais especificamente, o budismo. Existem termos, como o bodhisattva, que são utilizados e até costumes dos personagens em relação a religião. 

Acho legal também que podemos pôr em análise os livros de Carroll em relação a cultura japonesa. Mesmo de países diferentes, é muito comum encontrarmos referências da obra de Lewis Carroll em outros animes, como até o próprio filme A Viagem de Chihiro.

Kyousou Giga: Entre 8 ou 80

Podemos considerar Kyousou Giga um anime que talvez não agrade todos os públicos. Mesmo com todas as referências que acabei citando, e ainda tendo muito mais, vale ressaltar que tanto a narrativa e a animação do anime são dois pontos bem diferentes do que estamos acostumados.

A Toei Animation fez um belo trabalho com já disse, trazendo a grandiosa fantasia que Kyousou Giga merecia para sua proposta se tornar mais realista. Já a narração, às vezes pode ser confusa para alguns espectadores se não formos acostumados com esse tipo de anime.

O que eu quero dizer é que Kyousou Giga não é um anime que segue uma estrutura linear, ou seja, às vezes possuímos momentos que são flashbacks que acaba misturando a história. Não é um ponto negativo, ela só dá mais força a alguns acontecimentos e relações que estão no presente da história.

Koto e Myoue (o pai)

Mesmo assim, Kyousou Giga não é uma obra tão expositiva. Ela não quer expor totalmente seus personagens diretamente ao público, precisamos prestar atenção aos personagens para entendermos suas motivações, mesmo de uma forma indireta. E também, Kyousou Giga acaba sendo uma obra muito filosófica, ainda mais com o tema família que citei acima. 

Portanto, se você gosta de animes deste tipo, dê uma chance para Kyousou Giga. Esse texto, até para mim foi interessante de fazer, já que muitas coisas que andei pesquisando eu nem acabei me tocando quando assisti o anime. Ou seja, para esse tipo de anime como Kyousou Giga, assista e pesquise sobre os temas que ele abordou, ainda mais as referências, para ver se você prestou atenção em tudo.

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