Mesmo com tudo pra ser apenas mais uma sitcom a passar despercebida, ou até mesmo problemática, Brooklyn Nine-Nine, que se passa numa delegacia de polícia, surpreendeu seu público com uma forma de humor inovadora e saudável.

print de cena da série Brooklyn Nine Nine mostrando os atores Joe Lo Truglio, Andy Samberg, Stephanie Beatriz, Melissa Fumero, Terry Crews e Chelsea Peretti

Então, aproveitando que essa semana tivemos a confirmação da oitava (!) temporada, resolvi tirar um tempinho pra falar sobre essa série maravilhosa.

[Ei!
Cuidado com os spoilers!]

Quebra de Estereótipos

Um dos (muitos) pontos fortes de Brooklyn Nine Nine, para mim, é a autenticidade de cada personagem.

Cada um é retratado de maneira diferente, com falhas e qualidades, sem seguir nenhum estereótipo que todos nós, convenhamos, já estamos de saco cheio.

Começando com Jake Peralta. Sendo bem sincera, foi ódio a primeira vista.

No início da série, eu tinha certeza que passaria muita raiva com esse cara. O típico homem branco que se acha melhor e mais inteligente que todo mundo, se recusa a crescer, não leva nada nem ninguém a sério e faz piadinhas de mal gosto o tempo inteiro. Argh. Intragável.

Personagem Jake Peralta (Andy Samberg) com uma gravata amarrada na barriga

Porém, pra minha surpresa (e da maioria do público, eu acho), ele foi um dos personagens que mais amadureceu. Se tornou um ótimo amigo, ótimo namorado (e futuramente marido), reconhece que tem muito o que aprender e se esforça pra ser melhor a cada dia.

Uma surpresa linda.

Rosa Diaz e Amy Santiago são outro exemplo importantíssimo de quebra de estereótipo. Nada de mulher “barraqueira” ou hipersexualizada, as duas latinas são personagens fortes, cada uma a sua maneira, competentes, focadas em suas carreiras e maravilhosamente interessantes e divertidas.

Stephanie Beatriz como Rosa Diaz sentada em sua moto
Latina, bissexual, BADASS!

A atriz Stephanie Beatriz, que interpreta Rosa Diaz, chegou inclusive a chorar de emoção quando recebeu a ligação informando que tinha conseguido o papel, pois, antes dessa ligação, tinha recebido a notícia que Melissa Fumero havia conseguido o papel de Amy Santiago. Segundo ela, duas latinas nunca seriam escaladas para o mesmo projeto.

Rosa é intimidadora, reservada, durona, mas tem o coração de ouro e está sempre disposta a ajudar seus amigos.

Atriz Melissa Fumero como Amy Santiago

Já Amy é extremamente organizada, apaixonada por gramática e enigmas, tem um plano sólido pra toda a sua vida e é absurdamente competitiva.

Vale ressaltar que nenhuma das mulheres da série tem como foco sua vida amorosa, como estamos acostumados a ver na maioria das séries e filmes por aí, inclusive Gina Linetti, que é super confiante e autêntica, seu amor próprio é inabalável e ela deixa isso muito bem claro sempre que possível.

Charles Boyle, Raymond Holt e Terry Jeffords também vieram pra quebrar um dos maiores estereótipos: a masculinidade tóxica.

Joe Lo Truglio, Terry Crews e Andre Braugher como Charles Boyle, Terry Jeffords e Raymond Holt

Boyle é apaixonado por culinária, amigo dedicado, sensível, está sempre demonstrando o quanto ama seus amigos e sua família, principalmente Peralta.

Jeffords é fissurado em iogurte, pai e marido presente e incrivelmente carinhoso, chora sempre sem medo nem vergonha. Mesmo com seus músculos super definidos faz questão de demonstrar que é tudo uma questão de saúde e que sua saúde mental e emocional são sempre mais importantes que sua aparência.

E Holt, mesmo abordando com frequência o fato de ser um homem homossexual, deixa muito claro que não é isso que o define, e sim uma parte de quem ele é. Esse não é o foco da história do Capitão Raymond Holt, e eu particularmente acho incrível como a série retrata esse personagem. Um profissional repleto de méritos, um casamento estável, saudável, e cheio de amor, e, mesmo reservado ao extremo, sempre demonstra seu respeito e admiração àqueles que os rodeiam.

Discussões relevantes e assuntos polêmicos

Brooklyn Nine-Nine faz parte do que alguns chamam de “A Trindade da Comédia” — ao lado de The Good Place e One Day at a Time — e essas três séries trazem assuntos delicados e raramente discutidos em uma comédia, de uma maneira diferente e eficaz, onde um episódio completamente leve e divertido, pega o público despreparado e descontraído e o faz refletir sobre problemas sérios e, infelizmente, frequentes até demais.

Racismo

Racismo é um tema frequentemente abordado na série, muitas vezes durante um flashback usando de humor crítico ácido. Mas é num episódio tranquilo e engraçado sobre o casal Jake Peralta e Amy Santiago tentando ser adultos responsáveis o bastante pra tomar conta das filhas gêmeas do Sargento Terry Jeffords, no meio de uma caçada pelo cobertorzinho de uma das bebês, que Terry é abordado por um colega policial, Maldack, que o trata com hostilidade apenas por estar andando num bairro em que Maldack acredita que Terry “não pertence“, já que não se “parece” com as demais pessoas que moram ali.

gif do personagem Terry Jeffords com a legenda "Quando eu fui parado naquele dia, eu não era um policial. Eu era um homem negro, um perigoso homem negro. Isso é tudo que ele podia ver: uma ameaça."
“Quando eu fui parado naquele dia, eu não era um policial. Eu era um homem negro, um perigoso homem negro. Isso é tudo que ele podia ver: uma ameaça.”

A discussão se aprofunda quando Maldack não demonstra nenhum arrependimento por seu racismo, usando como desculpa que, se Terry estivesse usando seu distintivo, todo o problema seria evitado, dizendo que “estava apenas fazendo o seu trabalho“. E, para piorar ainda mais, Capitão Holt inicialmente se recusa a formalizar uma reclamação sobre Maldack, dizendo que Terry irá perder oportunidades em sua carreira por reportar um mau policial.

“É só explicar o racismo enraizado e institucionalizado que ainda domina o país até os dias de hoje.”

Gina Linetti

Pois é, Gina.

LGBTfobia

Logo no início da série, Capitão Raymond Hold — homem negro e homossexual — já aborda o problema, deixando claro que, mesmo sendo um dos policiais mais eficientes da corporação, demorou anos pra alcançar uma posição de comando pelo simples fato de ser gay.

E Rosa Diaz, no episódio em que se assume bissexual, tem sua orientação sexual questionada e, quando esclarece que não é “só uma fase”, é rejeitada por sua família, principalmente sua mãe.

gif do personagem Raymond Holt com a legenda "Sempre que alguém assume quem é, o mundo se torna um lugar melhor e mais interessante. Então, obrigado."
“Sempre que alguém assume quem é, o mundo se torna um lugar melhor e mais interessante. Então, obrigado.”

Machismo

Amy Santiago é uma personagem que vem lidando com machismo desde a infância, convivendo com seus sete irmãos homens e seu pai policial das antigas, Victor Santiago.

No episódio em que seu namorado Jake é apresentado a Victor, Jake tenta de tudo para conseguir a aprovação do sogro, que não o acha merecedor da sua querida filhinha. Amy então dá uma bronca nos dois, chamando atenção ao fato de que o mundo não é mais antiquado como costumava ser e os dois não podem mais agir como se a mulher não tivesse opinião sobre quem namora.

Mas é no oitavo episódio da sexta temporada que o assunto é tratado com mais seriedade, onde uma executiva de Wall Street tem o emprego prejudicado por uma acusação de assédio, e Amy se dedica ao máximo para ajudá-la, pois não se conforma que literalmente todas as mulheres que ela conhece (inclusive ela mesma) já tenham passado por caso parecido.

gif da personagem Amy Santiago sendo consolada por Jake Peralta
Amy abalada após compartilhar com Jake seu próprio caso de assédio.

Portanto, por mais que ultimamente seja cada vez mais comum ouvir que o mundo está “ficando chato“, que as pessoas não aceitam mais piadas e brincadeiras e que está difícil fazer comédia, temos séries como Brooklyn Nine-Nine para nos relembrar que não é necessário ofender ninguém pra fazer comédia.

E, parafraseando meu ilustre painho: não é piada quando não diverte ambos os lados.


Se quiser ler mais textos meus, é só clicar aqui. 🙂

Topo