Talvez não queria comentar tão cedo outra vez sobre Anne With an E, mas chega a ser necessário. Ainda mais em um mundo em que vivemos e também pelos fãs que ainda esperam que a série seja renovada pela Netflix.

Achei também que o Dia Internacional da Mulher não poderia passar batido, então quis enaltecer mais uma vez a luta da protagonista Anne na série, em que, busca a cada dia a igualdade de gênero em Avonlea

A série foi inspirada em um clássico centenário de literatura da autora canadense L. M. Montgomery de 1908, onde a história se passa no século XIX, em Avonlea, localizada na fictícia província de Prince Edward Island, no Canadá. Desta forma, a adaptação mais atual da série de livros consegue tratar temas feministas de uma forma singela. 

Cena da terceira temporada. Tradução: “Liberdade de expressão é um direito humano”

Além do feminismo, a série consegue debater outros temas como a luta das minorias, tanto negros e indígenas, o bullying, sexualidade, gênero, conservadorismo e racismo. Temas que são debatidos naquela época e também encontramos sendo debatidos atualmente.

Antes de tudo, recomendo lerem meu texto que fiz na estreia da terceira temporada sobre Anne With An E e as peculiaridades da protagonista Anne. Lá também comento mais sobre o seriado, seu enredo e sobre a terceira temporada da série.

Contextualizando, Anne With An E acompanha a história de Anne Shirley, uma garota órfã que conviveu com abusos entre orfanatos e casas estranhas. Com seus 13 anos, ela é adotada pelo casal de irmãos, Marilia e Matthew Cuthbert. Só que houve um engano, onde na verdade os irmãos estavam buscando um garoto para ajudar na fazenda. Anne então terá que provar aos irmãos que merece ser adotada e viver com eles.

O feminismo singelo de Anne

Desde o primeiro momento que Anne é apresentada para o público, ela já nos mostra como ela é sonhadora, bastante curiosa e apaixonada por livros. Ela gosta de usar certas palavras que ela denomina como difíceis, já que, para ela “grandes palavras são necessárias para expressar grandes ideias”.

As três temporadas também retratam muito a aceitação de Anne sobre quem ela é. No começo da série, fazem bullying com ela por ser órfã e também pelo seu cabelo ruivo e suas sardas. Também fazem questionamentos sobre seus pensamentos, por Anne ter ideias a frente do seu tempo. 

Uma frase na abertura “Você está um século a frente” retrata muito isso. Vale ressaltar que muitas outras frases que aparecem na abertura, são frases que simbolizam as fases vividas por Anne ao longo da história. As estações que passam na abertura também fazem sentido, onde o inverno, indica o passado de Anne no orfanato, e depois, as estações mais floridas, simboliza a vida de Anne em Green Gables.

Umas cenas da abertura, onde mostra a frase que comentei lá em cima: “grandes palavras são necessárias para expressar grandes ideias”

Anne então começa a enfrentar o machismo e o patriarcado no começo da série e vai tendo suas lutas diárias durante as três temporadas. Os temas tabus também são comentados na série, como Anne, quando tem sua primeira menstruação e as suas amigas falam que ela não podia deixar ninguém saber. Ela debate, perguntando: “Nós podemos gerar uma pessoa! Onde está a vergonha nisso?”

Anne também, sempre que possível, questiona o papel da mulher na sociedade. Onde, ela diz em um momento: “Posso fazer tudo que os meninos fazem e o que as meninas fazem também”. Gosto também da frase: “Eu sempre quis ser uma noiva, mas nunca uma esposa”, onde Anne sonha em se vestir com um vestido de noiva, mas não necessariamente se casar, como a sociedade impõe. 

Cena da primeira temporada da série

Na primeira temporada, ela chega a perguntar a suas amigas do por que ela tem que esperar um menino vir beijar ela ao invés do contrário? No começo também da série, é mostrado como as garotas não podem conversar com os garotos na escola por não ser algo legal visto entre eles, entretanto Anne não consegue entender. 

A garota então começa a questionar o modelo de como as mulheres vivem, tendo seu ápice na terceira temporada, quando é debatido um caso de assédio. Os moradores de Avonlea acabam se descontentando com a vítima, mulher, e não agressor, que acaba tendo seu comportamento normalizado por ser um homem. Anne então se revolta, com razão, e escondida, vai publicar um texto para jornal sobre os direitos das mulheres. Ela escreve em uma das frases destacadas: “Mulheres não se completam com um homem. Mulheres já são completas quando chegam ao mundo”.

Mais tarde, por conta do texto de Anne, o conselho de Avonlea decide tirar o jornal da escola. Tanto os alunos e Anne não conseguem ficar quietos sobre essa decisão. Anne, então, organiza uma manifestação, trazendo umas das cenas mais importantes para a terceira temporada da série.

É também interessante analisar como é construído a relação de Anne com outras mulheres da trama. Sobre mulheres mais velhas, Anne sente admiração, como Miss Stacey, em que, todos de Avonlea a olhavam diferente, Anne já foi a primeira pessoa que adorou a personalidade da professora. Já com garotas de sua idade, Anne acaba despertando a imaginação nelas, mas também, a vontade de questionar o modelo de sociedade que elas vivem.

Outros debates sobre o feminismo em Anne With an E

É interessante como o tema casamento é debatido também. Como na segunda temporada, que Prissy, acaba abandonando Sr. Phillips no altar, pois aquele não era seu sonho no momento, e sim, ir em busca de cursar uma universidade. 

Prissy foi criada em um ambiente familiar em que o principal objetivo da mulher é casar e atender as vontades de seu homem. Essa educação criada em casa, transmite em sua irmã mais nova, Jane, que pensa que um homem precisa sustentar ela. Enfim, Prissy foge do altar. Esse mesmo tema do casamento é debatido com Josephine Barry, a tia de Diana, onde ela fala diretamente para Anne:

“Vou te dar dois conselhos. Primeiro: você poderá se casar em qualquer momento da sua vida, se assim desejar. Segundo: tendo uma carreira, você pode comprar um vestido branco, fazer do seu gosto e usar quando bem entender. Sou a favor de trilharmos nosso caminho no mundo”.

Voltando então ao casamento de Prissy, é interessante como a cena é simples e bem feita. Prissy corre do altar e as garotas vão atrás dela no meio da neve. Depois de se acalmar, Prissy e as garotas começam a dançar na neve, como se fosse um momento de liberdade dela.

Casamento de Prissy

Outro fator que enaltece a questão do tema casamento é a professora Miss Stacey, que chega a Avonlea no lugar de Sr. Phillips. Voltando a falar, os moradores de Avonlea olham estranho para ela por ser tratar de uma mulher viúva, que não optou em casar novamente. A Rachel, vizinha de Marilia e Matthew, até insiste de procurar um pretendente para Stacey, pois acredita que é necessário para ela. Outros pontos que os moradores de Avonlea não se conformam, ainda mais Rachel, é como Miss Stacey é escandalosa por andar de motocicleta e vestindo calças.

Miss Stacey, a nova professora

Na primeira temporada, também damos de cara com as “Mães Progressistas”, um grupo que Marilia começa a participar já que adota Anne. Mesmo com bastante falhas no começo, elas apresentam pensamentos diferentes da maioria. Elas lutam para que suas filhas estudem e não serem vistas como apenas esposas e donas de casas. É criticado na série o comportamento de algumas mulheres, que no começo se dizem progressistas e sufragistas, mas que tem dificuldades de entender outras mulheres que não se enquadram em algumas discussões para algumas pautas feministas. Elas até citam o termo “feminista” mesmo sem saberem direito o que significa.

É interessante também que aos poucos, Anne traz suas ideias para suas amigas de escola, e quando vemos, na terceira temporada, acompanhamos elas fazendo um “pequeno ritual” para se vangloriar que são mulheres e também demonstrar a solidariedade entre elas. A melhor cena é quando Ruby começa a chorar e fala que ela ama ser mulher, onde é impossível não se emocionar.

Tradução: “Como eu amo ser mulher!”

Portanto, outro fator que a série gosta de trabalhar muito é o companheirismo entre as mulheres da série. Onde é mostrado mais na amizade de Anne com Diana. A amizade entre as duas, “inspira garotas, para serem sonhadoras, e ao mesmo tempo, independentes e corajosas, a priorizarem seus estudos e trilhar uma carreira, pois elas podem tudo”.

“Eu serei a heroína da minha própria história”

Mesmo se passando no século XIX, Anne With An E é importante para nós atualmente. E também, mesmo de uma forma singela, aprendemos com Anne e outros momentos da série em como é importante a luta de igualdade de gênero.

Anne With An E é necessário, e de uma forma delicada, debate esses temas, além do feminismo, como racismo, sexualidade, conservadorismo e entre outras pautas importantes. Entretanto, mesmo se passando no século XIX, os debates parecem que chegam a ser atuais.

Billboard que fãs fizeram da série na Times Square (NY)

Em suma, a garota de cabelos ruivos consegue desta forma ser a heroína da própria história. Anne nos inspira, além de trazer ideias inspiradoras para os personagens da série, consegue nos inspirar também. Então, por essa forma, eu quis escrever sobre ela e a série em um dia tão importante para nós, mulheres, que estamos sempre em luta para conquistar a igualdade de gênero. 

Anne With An E é produzida pela Netflix e pela televisão canadense CBC Television, onde possui três temporadas e pode ser assistida na plataforma da Netflix. Ela foi cancelada no final do ano passado, e assim, os fãs estão em busca da renovação, seja pela Netflix ou por outro canal. 

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